Os Segredos de Morito Ebine, Dono de um dos Ateliês de Arte mais Respeitados do Mundo

Morito Ebine é dono do curso de marcenaria mais desejado do mundo...


Existia uma tradição no Japão. Quando se celebrava um casamento, a noiva levava como dote a cômoda que estava na família havia gerações, tendo pertencido a sua mãe, a sua avó, a sua bisavó e a muitos outros antepassados. Os móveis eram vistos como peças quase eternas, objetos feitos para durar indefinidamente.

Mas o tempo trouxe mudanças. Nos anos 80, a cultura dos móveis resistentes começou a se perder. O utilitarismo passou a dominar o país, e móveis descartáveis tomaram de assalto o mercado. Nesse momento, Morito Ebine achou sua vocação: trazer de volta o valor das peças milenares.


Brasil, mais de 30 anos depois. Ebine, hoje com 51 anos, tem seu ateliê escolhido como um dos 25 estúdios de arte mais importantes do mundo pela revista inglesa Monocle. Seu trabalho é respeitado tanto entre designers quanto em meio a artistas. Avesso à fama, ele não se considera nem um nem outro. “Sou marceneiro, um artífice da madeira. Para mim, designer é quem desenha e ganha a vida com isso. E artista é quem faz pintura, escultura.”

Classificar Ebine como um marceneiro, no entanto, é algo como dizer que a Mona Lisa é uma pintura: uma verdade factual, que esconde um significado muito mais profundo. Ele é um dos poucos profissionais que trabalham com o método do encaixe — seus móveis de design não têm nenhum prego ou parafuso. Peças montadas dessa forma são muito mais duráveis do que as que incluem metal. “Com o tempo, os pontos onde há pregos e parafusos se desgastam, e o móvel estraga, perde a estabilidade. Nas minhas peças, a madeira continua viva”, afirma.


As cadeiras, bancos, mesas, banquetas e poltronas criadas por Ebine nascem em um espaço de 450 metros quadrados, cercado pela natureza e localizado em Santo Antônio do Pinhal, cidade de 6 mil habitantes no interior de São Paulo. Sua personalidade organizada e metódica transborda em cada detalhe do lugar. Os desenhos, que lembram plantas de engenharia; as pequenas e grandes caixas organizadoras; as centenas de moldes, simetricamente pendurados no teto; as máquinas, ferramentas e materiais, cuidadosamente arrumados pelo local.

É exatamente assim que o artesão trabalha. A inspiração para uma peça pode começar a se traduzir em um desenho de giz no chão, que fornece uma noção mais clara de seu tamanho real. O rascunho, em escala, é transferido para o papel, onde ganha versões que vão sendo melhoradas até o surgimento do protótipo — que também muda, se transforma, se aperfeiçoa até o momento em que o criador se vê diante da criatura.

Não é um nascimento veloz. O projeto de uma peça simples pode levar até dois anos para ficar pronto. Um móvel mais complexo, até dez anos para ver a luz do dia. Mas Ebine garante que a ansiedade passa ao largo desse processo. “Na verdade, uma peça nunca termina. A cultura japonesa preza o kaizen, que significa melhoramento. Busco a perfeição, quero sempre melhorar o móvel que estou fazendo”, diz. “Tudo que eu quero é que o cliente seja feliz com aquele móvel. Me sinto bem em pensar que minhas criações podem servir a uma pessoa.”

O ateliê funciona em um ritmo próprio, ditado pela demanda. Ebine não faz nenhuma divulgação. Seu site é espartano e, no geral, o trabalho é disseminado no boca a boca. Os interessados vão à marcenaria e fazem seus pedidos, que são atendidos dentro de certos limites. “Não tenho como pegar mais trabalho do que somos capazes de entregar.


Conseguimos fazer no máximo 15 cadeiras por mês, por exemplo.” Isso não significa que falte trabalho. Pelo contrário. Morito dedica-se aos móveis cerca de 300 horas por mês, incluindo as jornadas que se alongam pela madrugada, para dar conta de pedidos. Nos finais de semana, ministra cursos sobre sua arte. Junto com ele trabalham mais três profissionais, enquanto sua mulher cuida da parte burocrática.

O esforço se reflete em resultados. Hoje, uma de suas cadeiras modelo Weg, por exemplo, custa R$ 3.180, enquanto o modelo Saci sai por R$ 2.480. Embora evite falar em faturamento, o artífice entende que um negócio precisa ser lucrativo para se manter em pé. Mas a busca pelo sucesso não pode atropelar a produção. “Não posso exigir que uma pessoa que está aprendendo produza com mais velocidade. Existe um tempo para amadurecer e ele precisa ser respeitado. Se o profissional vai contra isso, erra. E o erro pode ser mais prejudicial do que a demora na entrega”, afirma.

“Até eu, com 30 anos de experiência, cometo erros. Faz parte da aprendizagem e nos torna melhores.” O artista afirma que não tem intenção de ampliar o estúdio, porque isso impactaria na qualidade dos móveis. “Para formar uma pessoa na equipe, levo no mínimo um ano. Além disso, se o negócio aumentasse de tamanho, eu deixaria de me dedicar ao que mais gosto, que é criar, para me tornar um empresário. Não quero isso. Meu prazer está em dar forma à madeira”, diz.


Por pouco, a vida de Ebine não passou longe da madeira. Neto e filho de alfaiates, passou a infância entre a linha e a agulha na cidade japonesa de Yaita, onde nasceu. Ao longo da adolescência, no entanto, o mercado mudou. As encomendas de peças foram rareando e os pais terminaram por ir trabalhar em uma fábrica de roupas. Uma carreira se fechava ali. Na hora de escolher a profissão, dúvidas. Física, talvez? A decisão de ingressar no curso de Marcenaria na Universidade de Kanagawa foi influenciada pelas alterações que afetavam outro mercado milenar do país, o de móveis. Vocação percebida, iniciou ali a jornada que o levaria ao domínio de sua arte.

Não foi fácil. Ebine deixou a faculdade antes do final do curso, achando que aprenderia mais se buscasse experiência na prática. Procurando por todo o Japão, descobriu a Oak Village, uma marcenaria especializada na milenar técnica de encaixe. “Foram três anos na melhor escola que poderia ter frequentado”, afirma. Foi por lá que adotou o lema que iria carregar para onde fosse. “Se uma árvore demora mais de 100 anos para crescer, então precisamos fazer móveis que também durem mais de 100 anos”, diz. É com esse mantra que ele trabalha hoje.

Ainda na sua terra natal, Morito Ebine passou por outros negócios, seja trabalhando com marcenaria, seja se aventurando na área agrícola. Curioso, viveu um ano aprendendo técnicas de agricultura orgânica. A maior descoberta, no entanto, foi a da esposa, uma brasileira descendente de japoneses que trabalhava no Japão. A descoberta o levaria até o outro lado do mundo. “Ela quis voltar para o Brasil e vim junto”, conta.

Ebine chegou ao país em 1995. Por aqui, sua experiência com agricultura foi útil. O casal começou a ganhar a vida cultivando cogumelos em um sítio do sogro em Mogi das Cruzes, no interior paulista. A partir das conversas familiares, parentes e amigos souberam do seu talento com a madeira e as encomendas surgiram naturalmente. De repente, sem planejar, o mestre estava de volta ao seu ofício. Coisas do destino.

Sua primeira oficina em terras brasileiras foi montada em um pequeno município vizinho a Campos do Jordão, onde morava. Com o tempo, no entanto, o estresse das viagens diárias entre a oficina e a cidade começou a cobrar seu preço. No dia 1º de janeiro de 2004, resolveu mudar tudo.

“O primeiro dia do ano é um símbolo forte na cultura japonesa. É quando determinamos os planos para o ano. E foi quando resolvi que não queria mais ficar ali. No dia 2, saí de carro pela região e descobri esse lugar em Santo Antônio do Pinhal. Compramos um terreno de cerca de 5,8 mil metros quadrados e montamos tudo aos poucos.” O caminho estava aberto para espalhar suas criações pelo mundo.

Hoje, Ebine é um profissional que nada contra a corrente. É um artista que trabalha seguindo seu próprio ritmo, respeitando seus prazos, princípios e prazeres. Não faz marketing, não está nas redes sociais, não liga para tecnologia. Busca apenas a perfeição e o prazer do cliente. Não deixa de ser revolucionário.

Fonte: https://revistapegn.globo.com